O CORPO DO VERBO
Qual porta é a porta
que o poema decide adentrar?
Que história é a história
que meu verbo quer contar?
Eu? Mesclo memórias,
incorporo sentenças, projeto projeções.
E tu, o outro, com que narrativas tu crias
as falas do teu ser star?
Misturamos matérias:
poemas, cartas, roteiros, relatos…
Cheios de intenções,
proferimos tranqueiras líricas pelos ares,
tudo para expurgar do peito
aquilo que nos toca a alma…
Nós,
seres culturais,
no mar do tempo nos entrelaçamos em redes,
colorimos com palavras o corpo do verbo.


PARÊNTESES
Quantos parênteses
são os que se abrem,
ao vento,
quando ele sopra,
na profunda amplidão
do tempo-espaço?
Quantos cafés,
sorrisos e afagos?
Quantos momentos,
amigos e eventos?
Quantas palavras
gravadas em guardanapos?
Quantas perdidas no espaço,
feito fumaça?
Tudo se sucede.
Desde o Big Bang até o Big Bang.
Tudo se repete.
Mas as formas – recombinadas –
levam a vida ao infinito,
num labirinto de êxtase,
luta, amor, calafrio e beleza.
A MENINA
A menina tinha pássaros na cabeça
e tinha gatos, panteras, poesia.
A menina tinha chuva na voz,
e raios e trovões e sol e melodia.
A menina sabia que podia
transformar o tédio em alegria.
Ela sabia que sabia
dizer sim à imensidão.


AMAR
Amar raízes e bancos.
Amar balanços e praças.
Amar a arte do humano;
tudo o que é geometria
e tudo o que se esparrama.
Amar também as sombras.
Louvar todo e cada ato de amor.
PERMITIR-ME
Quero limpar meu verbo
de todo o excesso de vaidade.
Quero encher minha voz
com a potência da liberdade.
Rimar se for preciso,
permitir-me não agradar.
Experimentar, errar, acertar.
Gerundiar e pairar no ar.
Na fluidez do exercício diário,
amor, ser a humilde flor.
Enquanto eles bebem cerveja
e falam pelos cotovelos,
eu bebo palavras, cheias de vento,
à luz do luar.
Entre um e outro verso,
paixão, sigo a pureza da intuição.
Quem poderá dizer que é em vão
que brilha a flor do meu coração?


ARCANO X
Gira-gira, roda da vida,
roda-roda, roda gigante,
zig-zum, bate-bate coração.
Respira o centro,
atravessa a ventania.
Gira-gira,
roda-roda.
Zig-zum,
bate-bate.
Respira e om.
A EXISTÊNCIA
Sou pipoca,
abobrinha, açaí, camomila.
Sou meus olhos, meus ouvidos,
sou os peixes da lagoa,
o céu,
o carnaval que vi no sonho.
Sou a música de Bach
e a de Caetano.
Sou estar aqui e não lá.


DUST IN THE WIND
Fugaz é o sonho!
Fugaz é esse sopro que vivemos
entre o primeiro respiro da vida
e o último suspiro da morte.
Fugaz como a fumaça que se evola.
Fugaz como a poeira no vento.
E no entanto é cheio de atos
este breve espaço que abrimos no tempo.
Tudo a cada instante virando história, lenda,
memória, roteiro, cicatriz, poema.
E aqui estou para dizer-te, amigo:
sim, há injustiças, incompreensão,
desmedidas, descompassos, diferenças.
Há pontes e abismos. Há alma e há lavas.
Há isso que ao nos tocar nos expande:
um assovio-calafrio que dá no corpo – a vida.
RENDEIRA
Maria acorda cedo,
molha a alma na lagoa,
depois senta perto das dunas
e põe-se a rendar:
fio daqui, fio de lá.
Sua vida é uma rajada de vento
que varre os fios da tristeza.
E dia-a-dia o que vemos
são mais rendas sobre as mesas.


POEMA DE PRIMAVERA
Vão-se as estações.
No jardim um diálogo.
Inços, ervas, aranhas.
Primaveril fluir incessante.
Um pulsar em minhas veias.
ALECRIM
Sim alecrim!
Tu resplandeces assim!
Cresces ramo após ramo,
alecrim ano após ano.
Tua fragrância alecrim,
é alegria alecrim!
Tua essência alecrim,
é que cria alecrim!
Teu chá alecrim,
é que ria pra mim!
Rimos nas rimas dos ramos,
sim alecrim, pura alegria,
alecrim!



DA SACADA DO MOMENTO
O sol já se aproxima do horizonte.
Os pequenos barcos que compõem o entardecer
são geometrias da beleza que fisgam meu olhar.
Nas bananeiras as folhas resplandecem, douradas.
E o que, na paisagem, antes eram ricas cores
agora escurece em contraluz.
No fundo, no raso, e no meio de tudo
paira o éter da poesia,
perfumado pelo trinado dos pássaros.
Hoje sonhei que era uma simples operária,
carregava tijolos, movia madeiras,
construía o chi com a respiração.
Entre uma e outra tábua parava para ver a paisagem
e, subitamente, caía em devaneios profundos,
depois acordava e o trabalho continuava.
Hoje sonhei que tocava violão clássico
nas salas de grandes sábios alquimistas,
depois tocava flauta e então poemas eu recitava.
Hoje sonhei com a Terra Pura,
vi a beleza de cada brick on the wall,
tive um instante de paz, senti o amor que vem a mim.
Hoje dormi com a mão no coração,
tentando acalmá-lo de tanta existência.
Dormi, acordei, sonhei, vivi, escrevi.
ALUMBRAMENTO
Sou, sol, soul.


ZOOM OUT
Zoom out, zoom out, zoom out,
abro o espaço de minha mente.
Entre luzes, descubro:
ter os pés no chão
é tão elevado quanto voar.
Ficar
é tão heroico quanto partir.
Misturo lucidez e ludicidade.
Esvazio-me de mim e fico cheia.
E SE…
E se, ao invés de ir para fora,
eu mergulhar para dentro?
E se, ao invés de olhar as notícias,
eu cantar às estrelas?
E se, ao invés de procurar o outro,
eu encontrar a mim mesma?


À REVELIA
Crio a paz às duas e vinte e cinco.
Sopro no vento a intenção da poesia.
Inspiro, me estico, expiro.
Sou árvore, pássaro, poesia.
Lá fora mil gritos de socorro,
lá fora mil banquetes à minha espera.
Crio a paz às duas e vinte e sete.
Sou no vento a intenção da leveza.
Inspiro, não me mexo, expiro.
Sinto o pesar em cada veia,
o pulsar da gravidade,
a força dos desejos.
Inspiro, expiro, medito.
Crio a paz à revelia.
DE BELEZA EMBEBIDA
… a poesia da vida,
às vezes ardida,
pelos amantes cantada
em feéricas vozes
de compartilhada alegria.
… a poesia da vida,
luz resplandecida,
aos ventos espraiada
em nuvens fugazes
de fluidez desvairada.
… a poesia da vida,
tantas vezes escondida,
aos atentos revelada
em pequenas doses
de beleza embebida.


A ESSÊNCIA MANIFESTADA
A cada dia adquirimos um novo elemento
seja tempero, seja imagem, seja ideia.
Cada elemento adquirido é guardado
na sacola, na caixa ou na memória.
Assim vamos costurando com retalhos
o manto que, frente ao mundo, vestimos.
Cada escolha é um pano
que na alma tatuamos.
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